segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ENTREVISTA - Solange Campos, Baixista das Bellenden Ker (e também dos Subic Bay, 5 Caminhos, e muitos outros projectos)

Solange Campos, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Já nos conhecemos há uns anos, partindo dum mal-entendido, na verdade, quando alguém confundiu Vialonga com Valongo... Vialonga, a 300 Km de Valongo, é uma freguesia do concelho que está agora na moda, Vila Franca de Xira, devido ao surto de Legionella, infelizmente. No entanto, esta entrevista vai debruçar-se no inesperado regresso aos palcos das Bellenden Ker, uma banda que, pessoalmente, admiro bastante. Depois da entrevista ao Daniel, dos Jed Dickens, com quem já partilhaste o palco, continuo a escavar no enorme mundo da música. Seis anos após o nascimento das Belenden Ker, e 15 dias depois da espectacular "ressurreição", aqui ficará o teu testemunho!


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Vamos começar com uma questão actual e pertinente: tens tomado banho? [cliquem aqui para perceberem a questão e saber mais sobre o surto de Legionella]

Solange Campos: Ahah! Claro que sim. Disseram várias vezes para evitar o duche por causa da inalação de vapores. Comecei a ter algumas precauções mas nunca deixei de tomar banho, embora essa fosse a minha preocupação principal assim que soube da existência da bactéria no concelho onde moro.


HOTM:
Conheces alguém que tenha sido afectado? Os números começam a ser preocupantes...

SC: Não procurei saber... Recentemente faleceu uma pessoa minha conhecida de uma forma inesperada e ainda hoje estou um bocado sensível no que diz respeito a más notícias...


HOTM:
Mudaste os teus hábitos? Sentes alguma tensão no ar, as pessoas estão preocupadas?

SC: Claro! Está toda a gente com medo e extremamente preocupada. Soube-se recentemente que se vai abrir um inquérito a uma das fábricas que supostamente foi a causadora desta catástrofe ambiental mas ninguém sabe propriamente qual e se a propagação da bactéria está realmente controlada. No fim-de-semana passado, o meu pai, que está a morar em Peniche, tinha vindo a Vialonga visitar-me mas, assim que soube, regressou logo a Peniche. A água continua com muito cloro por precaução... Por isso, tenho bebido água das garrafas. :p


HOTM:
Passando agora para a nossa "doença da música" (com certeza que te lembras do spot publicitário do Blitz, antes da mudança de sexo)... Penso sempre em ti como baixista mas é algo redutor. Que diferentes comprimidos (instrumentos musicais) tocas (tomas)?

SC: Ainda hoje uma menina perguntou-me isso. :P O instrumento que tenho mais tocado tem sido o baixo eléctrico mas o instrumento que aprendi a tocar na escola de música e no conservatório é o clarinete. Acompanho as minhas aulas de Música com a guitarra clássica mas só arranho uns acordes. :) Tentei aprender contrabaixo mas não atino com o arco. :P


HOTM:
Destes, qual o teu favorito?

SC: Baixo eléctrico, claro! :)



HOTM:
Tens sido sempre baixista nas bandas rock (assim como em outros projectos). Nunca pensaste em ir para a guitarra, por exemplo?

SC: Não, nunca. Eu gosto de sons graves e adoro ouvir um bom baixo nas bandas. Para os ouvidos de uma pessoa normal, quando ouve uma banda que não tem baixo sente sempre falta de algo e, facilmente, desmotiva-se da música. Muitas pessoas não imaginam o quão é importante um baixo na banda.


HOTM:
E o quão desvalorizado é... Ainda há dias, inesperadamente (pelo menos para mim), as Bellenden Ker [cliquem aqui para a página do Facebook] regressaram do mundo dos mortos num concerto de Halloween (como escrevi na entrevista anterior). De quem partiu a ideia?

SC: Essa ideia partiu da Marta LeFay [vocalista e guitarrista]. O Zé, namorado da Marta e baixista dos Dollar Lama [Facebook aqui], era (e é) amigo do Sérgio, vocalista dos Dr. Bifes e os Psicopratas [Facebook], e o Sérgio ficou a conhecer a Marta e as Bellenden Ker através dele. O último concerto que as Bellenden Ker deram foi organizado pelo Sérgio com inúmeras bandas, incluindo os Dr. Bifes e os Psicopratas, com uma participação especial das Bellenden Ker numa música deles - "Barco do Aborto" [link para o vídeo no youtube]. Isto foi em 31 de outubro de 2011, nos Nirvana Studios.
No Verão deste ano, a Marta entra em contacto comigo e com a Margarida [guitarrista] para voltarmos a fazer o mesmo este ano. O Sérgio organizou de novo um conjunto de concertos no dia 31 de Outubro (Halloween) deste ano, com a participação das Bellenden Ker em concerto e na música deles (a meio do concerto dos Dr. Bifes e os Psicopratas).



HOTM:
Como foi possível este regresso? A Marta está nas Anarchicks [página do Facebook], e isso retirar-lhe-á tempo para um possível regresso das Bellenden Ker, mas trouxe a Catarina [baterista das Anarchicks] para a bateria...

SC: Foi um reunion show. Não sei se a Marta e a Margarida estão interessadas em continuar com a banda. Desde o dia 31 de Outubro que não tive mais contacto com elas. Como sabes, a Vânia, a baterista original das Bellenden Ker, saiu no final de Fevereiro de 2011 e, desde então, foi sempre um suplício para arranjar uma boa baterista. Como não conseguimos, pedi ao meu amigo e excelente músico André Silva para nos acompanhar. Ele foi espectacular e acompanhou-nos até ao final da banda. Neste momento, como bom músico que é e muito requisitado, não teve disponibilidade para fazer o concerto connosco, e como a Catarina mostrou-se interessada em embarcar nesta aventura avançámos! E foi muito bom. Conheci uma excelente baterista. :) Felizmente, graças às Rockalady [link para o Facebook], já conheço mais bateristas do sexo feminino que são excelentes músicos. :)


HOTM:
Como disseste, geralmente há dificuldade em encontrar bateristas (e também baixistas). Já mudaram de baterista algumas vezes... Foi essencialmente isso que levou a esta paragem da banda, a dificuldade em encontrar baterista?

SC: Na realidade, penso que isso desmotivou muito o pessoal da banda. A Marta era o génio que trazia as ideias e comigo e com a Vânia montávamos músicas num abrir e fechar de olhos. E era tudo tão mágico e funcionávamos tão bem as três. São coisas que nunca se esquecem. A Margarida apareceu mais tarde e chegou a fazer connosco a música espetacular onde fazemos a troca de instrumentos (El Mariachi and Miss Moustache in the Garage), o que trouxe riqueza e alegria às músicas.
No final, estávamos bem com o André mas penso que a Marta desmotivou-se com esta procura de baterista e queria fazer outras coisas a nível musical.


HOTM:
Este evento terá sequência ou as Bellenden Ker acabaram com este concerto?

SC: Não sei... depende da vontade da Marta e da Margarida. Percebi que a Catarina gostava de continuar (e eu também).


HOTM:
Também espero pela vontade delas! Há algum concerto que recordes com particular saudade? Algum que te marcou mais? Com as Bellenden ker ou outro projecto...

SC: Das Bellenden Ker... o primeiro que demos no Bacalhoeiro... foi mágico! :)



HOTM:
Recentemente, as Anarchicks ganharam um prémio em Espanha [aqui a notícia da Blitz]. Achas que as Bellenden Ker tiveram o reconhecimento que mereciam?

SC: Eu sou suspeita mas vou ser muito directa: acho que não. Teve reconhecimento por ti, que foste sempre muito querido para a banda, e por alguns amigos... por mais ninguém. Acho estranho na SAPO aparecer uma notícia sobre as Anarchicks e quando falam da Marta dizem que ela foi a vocalista da banda carismática Bellenden Ker [aqui encontram o artigo em causa]. Se foi carismática, porque é que fomos tão mal tratadas no Musicbox, Santiago Alquimista e afins? Porque é que nenhuma editora pegou na banda?


HOTM:
Perguntas pertinentes, de facto. E obrigado pela parte que me toca. Sempre vos adjectivaram como as L7 Portuguesas, ou como as Babes in Toyland Portuguesas(este até se adequará mais pelo cenário de bonecas que coloria o vosso palco). Já os Blind Zero eram os Pearl Jam Portugueses, por exemplo. Por que temos esta necessidade de catalogar as bandas nacionais como "Banda-americana-de-estilo-semelhante Portugueses"?

SC: Eu penso que temos essa necessidade para localizar um pouco a sonoridade da banda. E não é mentira... as nossas influências vêm praticamente de bandas que se ouvem desde as décadas de 80/90 dos EUA.


HOTM:
As bandas 100% femininas não abundam, é um facto. Porquê?

SC: A ver o lançamento da biografia do Victor Gomes dos Gatos Negros no Sabotage [notícia no Diário de Notícias], conheci a baterista dos Dirty Coal Train [Facebook da banda], a Helena, e ela disse-me que, ao contrário de Portugal, no Brasil existem muitas bandas femininas. Será que é por ser um país pequeno em que muita rapariga prefere cantar em vez de tocar instrumentos musicais? Não sei...


HOTM:
Mais uma boa questão... Vocês tinham alguma mensagem feminista, lutavam pela igualdade de direitos ou simplesmente eram amigas que gostavam de rock e queriam fazer o vosso som?

SC: Nunca definimos nada relativamente a lutas ou a causas. Juntámo-nos e fizemos o que fizemos somente pela música e pelo prazer que nos dá tocá-la. :)


HOTM:
Sentias que, por vezes, a audiência estaria mais interessada em vocês por serem mulheres do que pela vossa música? Tanto pelo lado de "Será que elas conseguem?" ou pelo lado mais "voyeurista", digamos...

SC: Depende das pessoas. Existe um pouco de tudo no público... Uma coisa é certa: nunca quisemos mostrar o "bonito" e "belo", tanto nas músicas como na imagem... Se foram pessoas assistir por sermos "gajas", possivelmente assustaram-se connosco devido à nossa imagem e música! eheh.


HOTM:
Já tocaste em bandas all female e bandas mistas. É muito diferente o ambiente nos ensaios? A dedicação à banda? Ou esta questão nem sequer faz sentido?

SC: De uma forma geral, as bandas, femininas ou mistas, comportam-se da mesma maneira nos ensaios... Só modificará um pouco as piadas (ou não, ahahah... Isto ficará no segredo dos deuses! :P). A dedicação à banda... penso que isso não tenha nada a ver com o sexo mas sim com a própria pessoa.


HOTM:
Já estiveste em diferentes projectos musicais. Queres destacar algum?

SC: Queria destacar 3: primeiro os Subic Bay [Facebook da banda], banda de originais onde toco, que tem um som extremamente agradável e que aconselho a todos a conhecerem a ouvirem. Há músicas disponíveis no Facebook e vamos fazer o lançamento de um EP! :) ; os 5 Caminhos [Facebook aqui], uma banda de Música Portuguesa com uma sonoridade extremamente agradável com guitarras acústicas, flauta transversal e percussões; e as Rockalady, banda feminina que, para além de apresentar versões bem executadas e músicos a alto nível, têm uns originais fantásticos!



HOTM:
Actualmente, em que projectos te desdobras?

SC: Actualmente, nestes 3 que mencionei. :) Tenho um projecto em acústico com a minha amiga Ana Lapa, as Keep it Calm, mas está parado.


HOTM:
Tens algum projecto musical em mente, num futuro próximo?

SC: Continuar com estes. ;)


HOTM:
Que te falta fazer na música? E por que ainda não o fizeste?

SC: Falta compor e saber improvisar no baixo. :P Ainda não me dediquei a essas coisas porque sou preguiçosa. :p


HOTM:
Preguiçosa, com tantos projectos!? E achas que é possível viver da música em Portugal? Sem ser os Xutos, por exemplo...

SC: Fiz uma vez, há alguns anos atrás, essa pergunta ao Jorge Bruto dos Capitão Fantasma [clicar para o Facebook da banda] e ele disse-me que sim, mas que muitos músicos vivem mal... Pessoalmente, conheço quem consiga viver mas não se vive desafogadamente... E, neste momento, também é um mercado muito limitado...



HOTM:
Estamos em crise (dizem...). Geralmente a cultura é quem sofre primeiro com os cortes orçamentais. Por que é que se deve apostar na cultura?

SC: O que é que um povo faz sem cultura? Nada. Penso que Portugal ainda não percebeu a importância que a cultura tem para o povo.


HOTM:
Sem dúvida... Os cortes são transversais a diversos sectores fundamentais da nossa sociedade. És professora de Música. Como vês os cortes na Educação e este periclitante início de ano lectivo? Há alguma relação?

SC: Claro que sim! Quiseram colocar mais tarde os professores por causa dos ordenados! E ninguém me convence do contrário... O problema é que isso deu barraca, e das grandes. Penso que a própria prova de conhecimentos que servia para limitar as candidaturas dos professores foi um fiasco para eles porque 85% dos professores passaram na prova.


HOTM:
Em particular, qual a situação do ensino musical em Portugal?

SC: Está uma desgraça. Em grande parte das escolas de 2.º e 3.º ciclos, só têm Educação Musical no 2.º ciclo (5.º e 6.º anos) e, com o aumento de número de alunos por turma, foram reduzindo também o número de colocações. Eu não estou colocada e estou muito longe de ficar (infelizmente). Para além disso, as "Atividades de Enriquecimento Curricular" em grande parte das escolas primárias trocaram a Música por Expressões. Penso que, de uma forma geral, existe uma grande desvalorização pelo ensino musical em Portugal.


HOTM:
Infelizmente. Tenho conversado com diferentes Professores, de diferentes disciplinas, que declaram uma diminuição na qualidade dos alunos, no seu empenho, nos seus conhecimentos. Apesar da tua carreira estar ainda no início, sentes isto?

SC: Não está bem no início... Já cá cantam com 8 anos de ensino. :) Sim, os alunos são o reflexo da sociedade. Hoje em dia ninguém valoriza um professor. Muitos pais encaram-no como aquele que quer prejudicar o seu filho e depois ouvimos e vemos coisas horríveis. Para além disso, vivemos numa sociedade que impôs o facilitismo em tudo. Confesso que, como professora, continuo a remar contra a maré...


HOTM:
Em particular no ensino da música, há alunos com "bom ouvido"?

SC: Geralmente, em cada turma, existe sempre um ou dois alunos que se destacam por terem "bom ouvido". :)


HOTM:
Os teus alunos sabiam, ou sabem, que és baixista em bandas rock?

SC: Sim, sabem. :) Eu não escondo isso. Alguns até pensam que eu sou uma pessoa famosa! ehehe.


HOTM:
Se não fosses famosa, achas que te entrevistava!? :)
E encararam o facto com naturalidade e não ligaram muito, ficaram admirados ou pediram-te um autógrafo?

SC: Ficam admirados mas eu nunca prolongo muito a conversa por causa da aula. :)



HOTM:
Tenho a certeza que o teu gosto pela música e os diferentes projectos musicais que abraçaste fazem de ti uma docente melhor. Mas achas que a nossa sociedade Portuguesa, ou parte desta, ainda olha de modo desconfiado para os músicos? Para os artistas, no geral?

SC: Sim, é possível... Quando eu conto a alguém, fora do meio musical, que dou concertos, a pessoa pensa logo em drogas e maluquices, embora não costumem comentar mas eu sei. :p O que as pessoas não sabem é que eu posso ser maluca em palco mas, fora do palco, até sou uma pessoa certinha. :p Sobre a sobrevivência, se disseres a alguém que vives de alguma forma de arte, irão logo pensar que és um miserável e que, na realidade, estás a viver dos rendimentos dos teus pais.


HOTM:
Penso que parte desta desconfiança parte do estereótipo de que os músicos são uns bêbados e uns drogados, indo directo ao assunto e como já referiste. Ainda há uns meses, um estudo inglês [link para a notícia] concluía que os músicos têm uma menor esperança média de vida do que a restante população (a par de tantos outros estudos com conclusões semelhantes). Pensas que há uma maior apetência para o consumo de substâncias psicotrópicas pela classe ou, por outro lado, uma vida psicologicamente desgastante, com muitas viagens em pouco tempo e grandes incertezas quando ao rendimento do amanhã têm também uma grande influência?

SC: Eu acho que nesse estudo tiveram mais em conta o facto do músico consumir drogas e álcool. Não te vou mentir... há muita gente que o faz mas também conheço quem não o faça e ninguém te obriga, só fazes porque queres.


HOTM:
Dando exemplos concretos: Zé Leonel (56 anos), Rui Rocker (49 anos), João Ribas (48 anos)... Ultimamente, temos perdido alguns nomes importantes do Rock Português, infelizmente. Alguns deles sei que eram mesmo teus amigos. Independentemente do estilo de vida que levavam, e das causas da morte, o truísmo confirma-se e desapareceram cedo demais... Foram personalidades importantíssimas que influenciaram imensos músicos. Achas que a sociedade reconheceu o seu trabalho e importância?

SC: Não. Definitivamente não. Grandes músicos e importantíssimos na história do rock português e nem sequer tiveram direito, em nenhum noticiário, a uma referência ao seu falecimento... é uma vergonha. O único dos três músicos com quem tive ligação foi com o Zé Leonel [primeiro vocalista dos Xutos e Pontapés]. Ainda ontem eu e o baterista de Subic Bay, o Pedro Rodrigues, estávamos a falar das músicas dos Ex-Votos [página do Facebook]. O Ribas [fundador e vocalista dos "Censurados" e "Tara Perdida", entre outros projectos] apoiava sempre as bandas nacionais. Nos concertos de punk/rock que eu via na Casa de Lafões, a casa costumava estar vazia mas o Ribas marcava sempre a sua presença e essa imagem não me sai da cabeça. Chegou a ver, inclusivé, Bellenden Ker. O Rui Rocker [fundador e guitarrista dos "Crise Total" e guitarrista dos "Asfixia"] não conheci pessoalmente, com muita pena minha... Mas tanto ele como o Zé Leonel ficarão na história da música do rock português por terem dado o último concerto já numa fase bem avançada da doença... dias depois faleceram. Só por isso, mereciam uma grande homenagem em todos os canais. Espero que um dia escrevas um livro sobre o rock português e fales sobre isto tudo. :)

HOTM:
Pretendo escrever tal livro e fazer justiça a essas e outras personalidades esquecidas pela nossa sociedade. Já no Brasil, por exemplo, o Gilberto Gil, cuja fama chegou pela música, chegou a Ministro da Cultura. Como Ministros da Cultura ligados à música, tivemos recentemente a pianista Gabriela Canavilhas, e penso ser caso único. Actualmente, nem Ministério da Cultura há... Achas que alguma vez teremos um músico como Gilberto Gil, mais conhecido pelo grande público e não tão erudito, como Ministro da Cultura em Portugal?

SC: Não prevejo num futuro próximo voltar a existir sequer Ministério da Cultura... teriam de se modificar demasiadas mentalidades. E se voltasse a existir, sei que quem vai para lá não faz aquilo que quer... por isso duvido muito que vá para lá um músico.



HOTM:
Se te dessem a escolher, e se, uma vez lá, pudesses mesmo mudar algo de acordo com as tuas ideias, preferias ser Ministra da Cultura ou Ministra da Educação?

SC: Ministra de Educação. Teria que dar alguma educação às pessoas para começarem a apreciar cultura. ;)


HOTM:
Óptima resposta! Estamos quase a acabar. Não é difícil descortinar algumas bandas que farão parte das tuas preferências musicais. Sei que chegaste mesmo a falar com o Mark Arm, vocalista dos Mudhoney, aquando dum concerto da banda em Portugal... Esta última pergunta é tão ridícula que se torna engraçada, e tu vais entendê-la particularmente bem. Como já perguntei ao Daniel (e ele safou-se bem): o grunge está morto!?

SC: Ahahah! O grunge continuará vivo enquanto houver pessoas a senti-lo. :)


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

SC: Queria só agradecer-te por me teres escolhido para uma entrevista com temas tão abrangentes. Fizeste bem o trabalho de casa. ;)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ENTREVISTA - Daniel Santinhos, líder dos Jed Dickens

Após um longo interregno, as entrevistas voltam ao blogue. Desta vez, fica para a posteridade a contribuição do Daniel Santinhos, frontman da banda rock Jed Dickens [cliquem aqui para a página do Facebook]. Conheci esta banda num concerto que deram no Porto, num 11 de Setembro... A Casa Viva aguentou e eis o que surgiu desta conversa, 5 longos anos depois:


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Daniel Santinhos, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Confesso aqui a minha admiração pelo EP dos Jed Dickens que ouvi pela primeira vez em 2009 e desde então tem estado em constante rotação no meu leitor de mp3 [cliquem aqui para ouvir]. A vida dá muitas voltas, creio que os Jed Dickens estão parados, estamos ambos a viver em Aveiro e aqui te faço uma entrevista sobre o teu momento actual e como cá chegaste!

Vamos começar com uma questão fácil. Como nasceram os Jed Dickens?

Daniel Santinhos:
Bem, acho que começou como começam todas as bandas. Estudávamos na mesma escola, éramos amigos e já tínhamos tocado juntos. Na altura tínhamos uma banda em que o João tocava bateria e o Eduardo guitarra. Eu já tinha tido outra banda com o Eduardo a baterista, e a experiência tinha sido boa. Tive umas ideias de músicas, falei com eles e começámos a ensaiar (se não estou em erro 15 de Dezembro, 2007 ou 2008).



HOTM:
Se tivesses dito mais cedo, esperava-se um mês e comemorava-se a efeméride! Mas siga: porquê esse nome?

DS:
Aquela ideia original de juntarmos os nossos nomes como fizeram os RAMP e os DZRT eheheh JED (João, Eduardo, Daniel), Dickens sempre foi um nome que gostei, e veio do escritor Charles Dickens. Lembro-me de ter em criança um livro dele, o "Oliver Twist", daqueles que cheiravam a mofo. Mais tarde fizeram piadas com o DICKens, e era porreiro, falavamos de nós próprios como os jed pilas.


HOTM:
Um clássico, é um dos livro na minha wishlist. Actualmente, que estás a fazer no mundo da música?

DS:
Sinceramente, é raro quando toco guitarra, muito raro. Já tive ideias e tinha algumas coisas gravadas para utilizar, mas nunca passou disso.


HOTM:
Os Jed Dickens acabaram?

DS:
Pode dizer-se que sim.


HOTM:
Ainda há dias, as Bellenden Ker [cliquem aqui que vão ter ao Facebook], com quem vocês já partilharam palco, regressaram do mundo dos mortos num concerto de Halloween. Portanto, seguindo a tendência, quando é que os Jed Dickens vão regressar?

DS:
Era um concerto que gostava de voltar a ver, as Bellenden ker têm um som muito característico e bom. Para o final da banda as coisas não estavam a correr da forma que queríamos e decidimos cancelar os últimos concertos (penso que eram 4 ou 5). Ainda voltámos a ensaiar, falámos em mudar algumas coisas, gravar músicas novas mas acabámos por desistir. Falámos nisso quando estamos numa noite de copos mas tem sido difícil estarmos os três juntos (infelizmente).


HOTM:
Falando doutra banda com quem partilharam palco, os Shivers [cliquem aqui para o Facebook]. Eles têm estado parados, nomeadamente desde que o Arroja foi viver para Londres. É possível conciliar trabalho e a vida duma banda? Chega a uma altura que a vida nos manda "cada um para o seu lado"? Estamos condenados a ter bandas rock apenas na nossa adolescência e, talvez, vida académica?

DS:
É aquela altura que cada um começa a ir para seu lado e isso acontece de uma forma muito natural. No caso dos Shivers, claro que para o Arroja vir a Portugal dar um concerto implicaria no mínimo ter a viagem paga; nem sempre acontece. São mais as vezes que perdemos dinheiro do que ganhamos.


HOTM:
É verdadeiramente algo que fazemos por gosto porque se perde dinheiro, inevitavelmente. Há algum concerto que recordes com particular saudade? Algum que te marcou mais?

DS:
Lembro-me bem dos maus eheheh. Talvez no Chá das Eiras no Porto, no festival 1.77 (Elvas), black n whitte fest (Vila Viçosa) e nos Celeiros, em Évora; foram grandes noites.


HOTM:
Dizem que o baterista é o membro da banda com mais sucesso entre o público feminino. Achas que isto se confirma, em particular sendo o vosso baterista modelo?

DS:
Ahahah sem dúvida, um grande sedutor! :) Mas isso deve ser o público feminino a falar e não eu... ahaha


HOTM:
Bem respondido! Groupies, podem comentar esta entrevista, ficamos à espera! ehehe
Continuando: João Canhão, nome de guerra, poderoso, Daniel Santinhos, nome mais angelical mas basta ouvir os teus berros para o povo ficar em sentido, e depois um baterista que é modelo?! Que banda rock é esta? Ou estamos perante preconceito?

DS:
Nunca tinha pensado nisso, fomos 3 amigos que tocávamos aquilo de que gostávamos. Nunca trabalhávamos bem a imagem mas não sei como é que eles se sentiam em relação a isso.


HOTM:
Por falar em preconceiro, a vossa música tem alguma mensagem em especial? Política, anti-preconceito ou outra? Ou simplesmente queriam fazer a vossa música sem pensar muito nas letras?

DS:
Queríamos fazer a nossa música. Nunca tínhamos um tema, as coisas surgiam nos ensaios e quando estávamos juntos "Olha, podíamos fazer uma música sobre isto!" - e ia acontecendo. A "Another Ride" [cliquem aqui para ouvir a música], parte da letra fala de um amigo nosso que adormeceu à porta de casa com a chave na fechadura. O pai ao sair de casa de manhã para ir trabalhar deu com ele a dormir de joelhos: épico!!


HOTM:
Eu diria que não há melhor inspiração do que a nossa própria vida! O que vinha primeiro, a letra ou a música?

DS:
A música. E admito que demos concertos com letras inventadas na hora. Aliás, nunca demos um concerto completo que tivesse todas as letras! Ahahahah. Eu sei que era mau, mas tínhamos músicas novas que queríamos mostrar, e ninguém 'tava para ouvir as letras, sinceramente, eu detestava cantar... Depois disso, quando começámos a gravar as músicas, já eram feitas as letras, com mais calma e com mais sentido. Gostei de fazer a "Seven Sins" [cliquem aqui para ouvir] com o João. Outros temas como a "Poor Jimmy" [esta música tem vídeo; cliquem aqui para ver e ouvir] e "Another Ride" foram escritas pelo Lupa.



HOTM:
Esta pergunta impõe-se: o grunge está morto? (eheheh)

DS:
Isso é porque nos estás a rotular com música grunge! Eheheh. Eu acho que isso não é importante, grunge foi uma época, um estilo, quando isso aconteceu eu era uma criança. Tenta-se sempre recriar ou imitar os ídolos, às vezes de forma involuntária. É onde toda a gente vai buscar inspiração. Com a experiência e maturidade as coisas ganham outra forma.


HOTM:
Sim, tudo muda. Como por exemplo, onde passamos o nosso tempo. És do Alentejo, estudaste em Tomar, vives em Aveiro e quando podes vais ao Hard Club, na Invicta. A vida tem-te puxado para Norte. Notas essa mudança? Há um sentir, uma maneira de estar diferente das pessoas em diferentes latitudes? Na música ou no quotidiano...

DS:
Foi um bocado por oportunidades de trabalho, e acabei por gostar. Sempre que posso vou ao Porto, nem que seja para passear. Gosto do Norte, apenas gostava de estar mais perto da minha família e dos meus amigos em Elvas. Já fiz alguns amigos, começo a sentir-me em casa.


HOTM:
Do que gostas mais em Aveiro?

DS:
Estar perto da praia, estar perto do Porto. Tem movimento, tem zonas calmas, bons restaurantes, bares, cinema, e concertos. E a cidade é bonita, atrai muitos turistas. Em Elvas é o que me faz falta, mais vida nocturna no centro da cidade, mais concertos com bandas que tocam originais e que se pague a entrada, porque ninguém quer dar um tostão, e especialmente cinema, que os filmes lá chegam de carroça.


HOTM:
Além da Casa Pina [ehehe cliquem aqui], que outros sítios é que o pessoal mais ligado às bandas rock (ou outras, vá) deve conhecer em Aveiro?

DS:
Mercado Negro é um espaço muito bom [Facebook aqui]. Não tem muita confusão, a musica é boa, costuma ter concertos e agora até tem uma livraria, o "Elefante Balão" [cliquem aqui para ir ter ao Facebook]: aconselho.


HOTM:
E eu também aconselho, local obrigatório para quem tiver preocupações artísticas. Tu que és artista, literalmente, na área do design, se estou correcto, que achas do estado da arte em Portugal? Há emprego? Há condições? Um designer é reconhecido pelo que faz?

DS:
Ainda sou muito novo nisto no mundo do trabalho. A pouco e pouco aprendo com o que vejo, com o que oiço e com os erros. Há condições que pouca gente as dá. Por vezes é ingrato, e é preciso ter uma paciência do caralho!


HOTM:
Qual o teu trabalho mais famoso?

DS:
De famoso não tenho nada, mas dos dois trabalhos que gostei mais de fazer e que tive um bom feedback foi com uma exposição fictícia que fiz no mestrado, o tema era sobre rockabilly. E o plusplus.collective que desenvolvi a imagem gráfica e criei o conceito. Ainda é um projeto que me dá prazer fazer.


HOTM:
Quais os teus objectivos profissionais?

DS:
Ter prazer no meu trabalho, e uma boa equipa para trabalhar; tenho muita coisa para aprender.



HOTM:
Ter passado por bandas rock ajudou-te no teu percurso académico e profissional?

DS:
Ajudou em tudo. Com os concertos conheci novas pessoas, cidades ou aldeias, experiências, e isso ajudou-me muito.


HOTM:
Por que é que ainda há muita gente a olhar de lado quando dizemos a alguém que estivemos numa banda rock? Eu sinto isso, pelo menos...

DS:
Eu também olho de lado para isso do rock, acho que kizomba é muito melhor! :)


HOTM:
Ahahah! Muito bem! Para acabar, que a entrevista vai longa, conta-nos uma história dos Jed Dickens, algo que recordes como um bom momento. Essas histórias abundam no universo musical underground (chamemos-lhe assim! ehehe).

DS:
São tantas, e em tão pouco tempo... Não consigo escolher uma mas só de pensar algumas coisas não paro de rir!


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

DS:
Obrigado eu, lembrei-me de muita coisa boa. Sorte para o Eduardo e o João que têm bandas no activo! (: