sexta-feira, 24 de julho de 2020

Dão-se como cão e gato.


Quem não conhece esta expressão? É uma expressão de conflito: é porque se dão mal. Então quererá dizer que cães e gatos têm uma convivência difícil! Será assim? Uns dizem que sim, outros dizem que não… E, neste momento, entre os que lerão isto, não faltam defensores de ambos os lados: “Tenho cães e gatos há anos e dão-se todos muito bem!” / “Não os posso ter juntos pois ficava sem casa, e sem animais!”. E há uma terceira facção – a minha – que corresponde às pessoas que nem tem cão nem tem gato, e cuja discussão deste tema é mais ou menos indiferente: somos os eremitas desta sociedade. Até me sentiria mal em estar fora de moda mas como é o costume uma pessoa habitua-se… Agora até tenho um filho mas como não tenho cão devia estar calado. Nem gato. Mas aqui há gato: devia ter um amigo de quatro patas em vez dum bebé humano? É que ambos gatinham, por exemplo. E se tento dar opinião? “Mas tens cão? Tens gato? Cala-te!”. Tenho ácaros aqui em casa, e bastantes – conta? Claro que a raça dos insensíveis que não têm animais de estimação, a que pertenço, curiosamente pertencem também à raça dos que nunca abandonam animais de estimação. Mas disso ninguém fala… São pontos de vista… “Esses não são os verdadeiros amantes de animais!” – dir-me-ão, e tendo a concordar. Mas e aqueles que fecham um animal no seu apartamento? E aqueles cães que poderiam ter tido um futuro na conquista espacial canina e fazem estragos entre a cozinha e o quarto? E aqueles gatos que davam para as finanças mas simplesmente arranham sofás? E as iguanas? E os peixinhos de aquário? E os passarinhos? Falem deles! Têm tanto direito ao conflito como cães e gatos. Defendam-se, com unhas e dentes. Estamos em guerra!

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Ennio Morricone - Two Mules For Sister Sara


Até ver, toda a gente morre, o que é igualmente válido para aqueles que apelidamos de génios. E serão génios aqueles que fazem mais ou melhor do que a maioria (os que também morrem mas no anonimato…). Sendo, provavelmente, tão cinéfilo como melómano, não poderia ficar indiferente à partida de Ennio Morricone – e não fiquei; fiz aquilo que a maioria dos seus admiradores terá feito: ouvir a sua obra, ou parte dela, pois é bastante extensa.

Poucas horas após a notícia da partida deste memorável fazedor de sons de filmes memoráveis, ouvi na rádio uma breve entrevista à Dulce Pontes (uma Portuguesa que canta bem), que teve de aprender a falar Italiano para ter o prazer de trabalhar com a lenda. Um exagero duma estrela inacessível? Ou um filtro necessário para aqueles que realmente tinham vontade e o espírito de sacrifício necessário para conviverem com esta figura ímpar? Talvez aos génios tudo se deva perdoar, e para se chegar ao seu convívio tudo se deva fazer. Como sempre, sobra algo: uma vasta obra que felizmente todos podemos e devemos apreciar.

O bom (o magnífico) de ouvir Ennio Morricone é que a qualidade musical coincide com a cinematográfica. Das fantásticas composições que constituem a sua obra, aquelas de que toda gente fala por estes dias, associadas a filmes tão famosos quanto as suas bandas sonoras (The Good, the Bad and the Ugly; Cinema Paradiso; A Fistful of Dollars; Once Upon a Time in the West; Once Upon a Time in America; The Mission; por exemplo, e que adoro tanto musicalmente como “sétima-artemente”, a que juntaria alguns dos “seguintes”, e que igualmente idolatro como 1900; Il Fiore delle Mille e Una Notte; The Untouchables), não terei muito a acrescentar. Portanto, e a lista dos restantes continua a ser extensa e riquíssima, vou destacar apenas um filme – e respectiva banda sonora assinada pelo mestre – de que gostei particularmente, um western menos conhecido mas que diria merecer mais fama: Two Mules For Sister Sara, cuja banda sonora integral se pode encontrar no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=1vnQDmBUpm4).



Da parte sonora desta obra destacaria, obviamente, o tema principal, de que gosto particularmente pois, além da grande inspiração de sempre, revela uma grande inteligência (por exemplo, consegue-se ouvir uma mula a zurrar “musicalmente”), e assenta perfeitamente na história do filme, pois remete-nos para uma longa viagem cheia de peripécias, que efectivamente acontece, e é o interesse central do filme. Aliás, uma das grandes homenagens que repetidamente se fazem ao maestro é exactamente a fusão do som e imagem em “obra de arte de excelência”, chamemos-lhe assim. Infelizmente, a tradução do título para Português (“Os  Abutres Têm Fome”, como a tradução do título para Italiano), ainda que não totalmente descabida, perde todo o jogo de palavras do título original: mula como mula de carga ou como alguém que faz transporte duma mercadoria ilegal, referência às duas mulas que acompanham a Irmã Sara (Shirley MacLaine), talvez não tão religiosa quanto era suposto: a “besta de carga” e o Clint Eastwood (imediatamente antes dos seus maiores sucessos no cinema como actor). Pode-se ainda referir que as mulas são estéreis; assim como as freiras, certo!? Enfim, um título sugestivo e bem conseguido. A dupla de actores tem uma química apreciável, o humor está bastante presente, e tudo junto creio ser dos melhores filmes que vi, pelo menos naquela categoria dos “bons filmes que não têm a fama que merecem”. Ouçam, vejam, apreciem!