Até ver, toda
a gente morre, o que é igualmente válido para aqueles que apelidamos de génios.
E serão génios aqueles que fazem mais ou melhor do que a maioria (os que também
morrem mas no anonimato…). Sendo, provavelmente, tão cinéfilo como melómano,
não poderia ficar indiferente à partida de Ennio Morricone – e não fiquei; fiz
aquilo que a maioria dos seus admiradores terá feito: ouvir a sua obra, ou
parte dela, pois é bastante extensa.
Poucas horas
após a notícia da partida deste memorável fazedor de sons de filmes memoráveis,
ouvi na rádio uma breve entrevista à Dulce Pontes (uma Portuguesa que canta bem), que teve de aprender a falar
Italiano para ter o prazer de trabalhar com a lenda. Um exagero duma estrela
inacessível? Ou um filtro necessário para aqueles que realmente tinham vontade
e o espírito de sacrifício necessário para conviverem com esta figura ímpar?
Talvez aos génios tudo se deva perdoar, e para se chegar ao seu convívio tudo
se deva fazer. Como sempre, sobra algo: uma vasta obra que felizmente todos
podemos e devemos apreciar.
O bom (o
magnífico) de ouvir Ennio Morricone é que a qualidade musical coincide com a
cinematográfica. Das fantásticas composições que constituem a sua obra, aquelas
de que toda gente fala por estes dias, associadas a filmes tão famosos quanto
as suas bandas sonoras (The Good, the Bad
and the Ugly; Cinema Paradiso; A Fistful of Dollars; Once Upon a Time in the West; Once Upon a Time in America; The Mission; por exemplo, e que adoro
tanto musicalmente como “sétima-artemente”, a que juntaria alguns dos “seguintes”,
e que igualmente idolatro como 1900; Il Fiore delle Mille e Una Notte; The Untouchables), não terei muito a
acrescentar. Portanto, e a lista dos restantes continua a ser extensa e
riquíssima, vou destacar apenas um filme – e respectiva banda sonora assinada
pelo mestre – de que gostei particularmente, um western menos conhecido mas que
diria merecer mais fama: Two Mules For
Sister Sara, cuja banda sonora integral se pode encontrar no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=1vnQDmBUpm4).
Da parte
sonora desta obra destacaria, obviamente, o tema principal, de que gosto
particularmente pois, além da grande inspiração de sempre, revela uma grande
inteligência (por exemplo, consegue-se ouvir uma mula a zurrar “musicalmente”),
e assenta perfeitamente na história do filme, pois remete-nos para uma longa
viagem cheia de peripécias, que efectivamente acontece, e é o interesse central
do filme. Aliás, uma das grandes homenagens que repetidamente se fazem ao maestro
é exactamente a fusão do som e imagem em “obra de arte de excelência”,
chamemos-lhe assim. Infelizmente, a tradução do título para Português (“Os Abutres Têm Fome”, como a tradução do título
para Italiano), ainda que não totalmente descabida, perde todo o jogo de
palavras do título original: mula como mula de carga ou como alguém que faz
transporte duma mercadoria ilegal, referência às duas mulas que acompanham a
Irmã Sara (Shirley MacLaine), talvez não tão religiosa quanto era suposto: a “besta
de carga” e o Clint Eastwood (imediatamente antes dos seus maiores sucessos no
cinema como actor). Pode-se ainda referir que as mulas são estéreis; assim como
as freiras, certo!? Enfim, um título sugestivo e bem conseguido. A dupla de
actores tem uma química apreciável, o humor está bastante presente, e tudo
junto creio ser dos melhores filmes que vi, pelo menos naquela categoria dos “bons
filmes que não têm a fama que merecem”. Ouçam, vejam, apreciem!
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