quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O Último dos Padrinhos - Mario Puzo

Depois de ter lido "O Padrinho", "Omertà", "A Família" e "O Siciliano" (não necessariamente por esta ordem), seguiu-se um dos livros que já tinha comprado há uns anos mas ficou sempre na prateleira. Até há dias. E depois de ler mais um de Mario Puzo, a vontade que tenho é de continuar a conhecer a obra deste autor.

"O Padrinho" é melhor, sem dúvida. E este não está muito longe em termos de ideias. Volta a haver um poderoso Padrinho (neste caso, e literalmente, o último dos Padrinhos) cuja Família é a mais poderosa da América, volta a preparação de uma nova geração que lhe sucederá e o recorrente tema da legitimação das actividades mafiosas através de receitas legais, como o jogo (apostas e casinos), o cinema, e, em menor extensão, a restauração, a construção e o jogo da bolsa, no caso Wall Street.

Algo que acho curioso neste livro, e que já estava presente n'"O Padrinho III", o filme, pois o livro só dá origem aos dois primeiros filmes da trilogia (para já), é a noção de que quanto mais se sobe na "hierarquia social" (seja lá isso o que for...), quanto mais se tenta legalizar a actividade da família, mais corruptos, oportunistas e ladrões se encontra. Talvez com outros nomes, talvez mais bem disfarçados, talvez mais bem engravatados e mais rodeados de advogados. A certa altura, os maiores mafiosos nem parecem ser os Americanos descendentes de Sicilianos mas sim os grandes produtores de Hollywood, os gestores dos casinos e, obviamente, os políticos.

Acho igualmente curioso o elevado número de personagens e histórias paralelas que encontramos neste livro. Pode-se argumentar qual será a história principal do livro; creio ser este esforço de "legalização" da Família, esta visão de Don Domenico Clericuzio, acertada, a meu ver, e de tudo o que é preciso fazer para este fim, chegando a um maquiavelismo sórdido capaz de levar um sobrinho a matar um neto que destruiria a visão do avô. Um avô que o acarinhara e lhe ensinara tudo. Não o poderia matar, obviamente, mas induz o sobrinho a fazê-lo, incoscientemente. Sublime! Tudo o resto são histórias, não menos interessantes, sobre o fascinante mundo (e submundo) de Las Vegas e Hollywood, que é como quem diz das poderosas indústrias dos casinos e do cinema.

Admiro-me como este livro deu origem a uma mini-série e não a um filme (necessariamente longo) mas claro que Hollywood teria sempre alguma resistência em expor os seus podres. Sinto sempre alguma desilusão quando vejo os filmes que chegam de Hollywood e creio que este livro tem mais "história" do que muitas das últimas produções que tenho visto...

Há um Padrinho do cinema, há um Padrinho dos casinos, há um Padrinho da última família rival e há o último dos Padrinhos que se aguenta aos rigores da passagem do tempo como um símbolo da sua própria ambição desmedida. E sempre a dar conselhos aos seus descendentes. Conselhos que se revelam sempre acertados. Apenas no final do livro todas as pontas soltas se unem e a teia é fantasticamente tecida; ao longo do livro senti-me várias vezes amarrado nesta teia, impossibilitado de me soltar, atento a todas as direcções à espera de uma qualquer aranha para me atacar. Há alturas em que a narrativa é totalmente imprevisível, o que torna o livro interessante e não apenas uma cópia ou uma continuação d'"O Padrinho". Há um estilo próprio, mais abrangente, com a acção a esticar-se de Nova Iorque a Las Vegas, com direito a umas pequenas passagens pela Europa via Sicília, Nice e Paris. Políticos corruptos, políticos alcoólicos, políticos abstémios, crianças autistas, argumentistas geniais, argumentistas desprezados, fornicadores amadores, fornicadores profissionais, proxenetas produtores, produtores de orgias, organizadores de eventos, doidos, inteligentes, esclarecidos, sapientes, artistas, vedetas, drogados, ex-drogados, drogados feitos senhores, conhecedores, polícias corruptos, ex-polícias corruptos, ex-polícias corruptos agora assassinos, futebolistas, ex-futebolistas, ex-futebolistas suicidados, gaiolas vazias, gaiolas cheias (e não de pássaros), iates no mar alto a largar gaiolas, orgias e outras festas, dinheiro, fichas, roletas, ...; isto nunca mais acaba, um livro que parece chegar a todos os cantos da sociedade americana, um livro que põe a nu as estratégias mais escabrosas para deter o poder, nas suas diferentes formas. A ler e a reflectir.

Como de costume, deixo aqui algumas das citações de que mais gostei, e sublinho a primeira, de um livro que adorei ler e que dificilmente esquecerei.


"O passado é o passado (...). Nunca lá voltes. Nem para procurar desculpas, nem justificações nem felicidade. Tu és o que és, e o mundo é o que é." (29)

"Nenhum homem consegue esconder a sua verdadeira natureza a alguém que viva próximo dele muitos anos." (72)

"Tudo parecia confirmar o velho truísmo de que uma pessoa corre sempre mais perigos com a lei quando está inocente do que quando é culpada." (81)

""O mais importante na vida é ganhar o pão de cada dia."" (88)

"Como qualquer artista, queria que o mundo a amasse." (132)

"A sorte, porém, compraz-se a desfazer os planos mais argutos (...), a mais insignificante das criaturas pode ser o agente causador da perda do mais poderoso dos homens." (162)

"O mal era que toda a gente se tornava mole por causa de uma boa vida." (179)

"Os velhos hábitos custam a morrer." (183)

"Devia ter casado outra vez. As viúvas são como as aranhas. Tecem demasiadas teias." (185)

"Para inspirar verdadeiro amor, um homem tinha igualmente de ser temido." (284)

"Toda a gente é responsável por tudo o que faz." (288)

"Os excêntricos fazem coisas esquisitas para desviar a atenção dos outros daquilo que fazem ou são. São envergonhados." (318)

"Como o Don costumava dizer, não fazia mal cometer erros, desde que não fosse um erro fatal." (360)

"Claro que, na vida real, não havia nada que estivesse exactamente na "conta certa"." (361)

"Quase todas as tragédias são estúpidas." (372)

"Toda a gente tem azar uma vez na vida." (379)

"É perigoso ser razoável com gente estúpida." (399)

"(...) um mundo sem valores e sem sentido de justiça não pode continuar a existir." (399)

"Toda a gente tem suspeitas a respeito de tudo. É próprio da natureza humana." (401)

"Mas, oh, que perverso era aquele mundo que obrigava um homem a pecar!" (476)

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