sábado, 4 de outubro de 2025

As crónicas crónicas - pt. II

Encontrei um verdadeiro filão! Estou extremamente contente! Não é de ouro, ou estaria extremamente rico! Mas para crónicas, para as escrever, para me rir com estes momentos de ouro (em sentido figurado, claro), encontrei uma fonte que teima - felizmente - em não secar: a administração de condomínios. 

Era uma vez um condomínio. Estava a chegar a esta actividade, era jovem, tinha sonhos, gostava de contribuir com algo bom para a sociedade, mas não conhecia verdadeiramente este monstro que estava prestes a enfrentar! As pessoas, essa raça tão estranha, conseguem ser muito possessivas quando se trata da sua casa, como estavas prestes a descobrir! Conseguem transformar-se em verdadeiros monstros! Sim, vi pesadelos à minha frente, a surgirem do nada, de situações de nada, de somenos, lana caprina, o que lhe quiserem chamar, a tomar proporções quase bíblicas! Valha-me Deus! Nem Deus teria paciência para a profissão, nem o Diabo se deve ter lembrado de algo tão brilhantemente complexo e odioso! Desta vez, e haverá mais vezes, vamos focar-nos num tema que, parecendo pequeno, é de enorme importância, pelo menos para quem o levou à reunião daquela noite: a caixa do correio!

A tensão sentia-se no ar naqueles trinta minutos que distavam entre a primeira convocatória e a segunda - não havendo metade do quórum na primeira, espera-se que haja pelo menos um quarto (de quórum, entenda-se), na segunda, para se fazer a assembleia. O tema mais fracturante daquela noite foi uma caixa de correio! Eis o problema: a caixa de correio do condómino de então estava demasiado baixa. Mais ainda - descobri que a altura mínima para a colocação de uma caixa de correio é de cinquenta centímetros. Sim, porque o lesado, o condómino que reclamava desta situação, tinha já consultado um advogado para o efeito! E afirmava, com bastante segurança, que se a situação não ficasse resolvida naquela noite o caso seria mesmo resolvido pelo advogado! A altura de uma caixa de correio... Vê-se tanta fome, doenças e guerras no Mundo - situações confortáveis quando comparadas com meio metro de depósito de cartas, publicidade e afins, num século XXI onde a transição digital - entenda-se correio electrónico -, vai substituindo o papel. Mas se a Lei lhe assistia, o que dizer?!

Claro que a história já é boa só por si, mas ainda há mais a revelar: o condómino que não estava disposto a viver numa casa com uma caixa de correio abaixo do meio metro de altura legal estava emigrado, e disse: "Vim ontem de propósito de França para resolver esta situação!". Pelos vistos, faria uso daquela casa, e da respectiva caixa de correio, apenas uma a duas vezes por ano, apenas alguns dias. Primeiramente, e sem pensar muito no assunto, pareceu-me ridículo, mas um esforço de reflexão fez-me pensar em cenários nunca dantes alcançados: a caixa de correio era baixa, de facto, para se chegar ao fundo da mesma - e portanto ao fundo da questão - uma pessoa tinha de se ajoelhar. Ora, não é preciso ter fé para termos acesso ao lixo todo que por lá anda a maior parte do tempo - chamemos-lhe publicidade -, é preciso ter uma caixa de correio, alta, pois nem toda a gente se pode, ou se quer, sequer, ajoelhar. Caixa esta que deveria ficar muito atulhada destas resmas do consumismo sempre que a viessem consultar após meses de ausência. Há que perceber que qualquer questão tem sempre, e pelo menos, dois pontos de vista - este tinha a sua pertinência afinal! E colocar um daqueles autocolantes da "Publicidade aqui não"?! - sei lá, digo eu... Mas talvez tivesse de vir da França só para tratar disso, não parece razoável. Talvez gostasse da publicidade. Talvez fosse entusiasta da filatelia, e esperava completar a sua colecção de selos - esses pedaços de arte que já não abundam. Selos nas cartas sim, selos nas calças não - é compreensível.

A solução? Fácil, mudar a disposição das caixas de correio. Subi-las! Um trabalho simples, para quem dele percebe. Duzentos a trezentos euros para fazer uma pessoa feliz? Todos os problemas custassem tão pouco! Nomeadamente divididos por todos os condóminos, uma pechincha! Aprovado por unanimidade! Ajoelhou vai ter de rezar, não recolher a correspondência... O ar ficou limpo, a tensão desfeita, já não me lembro se o humano em causa ficou para o resto da reunião ou rumou de imediato para a terra d'Os Miseráveis, enfim, o seu objectivo estava atingido, e outros assuntos puderam ser debatidos. Administrei aquele condomínio por cerca de um ano mais, aguentei esta actividade pouco mais de três. Foi a minha segunda reunião como profissional mas foi aquela em que perdi os três, como se diz em bom Português, ainda que possa haver ali um pouco de sotaque estrangeiro. Uma caixa de correio baixa, nunca tinha pensado na importância de tal...

ENTREVISTA - Nuno Melo, Melómano e Mediador de Seguros

Nuno Melo, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Já nos conhecemos há uns quatro anos, fazes parte desta minha estadia em terras de Santa Maria da Feira, onde és um dos melhores mediadores de seguros (não sou eu que digo, diz o tio Google, que é mais isento do que eu). De seguros, desta terra, e do mais que calhar, há espaço para tudo nesta entrevista.


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Vamos começar com uma questão fácil. Como chegaste à mediação de seguros?

Nuno Melo:
Esta é uma longa história... Em 2005 a minha vida deu uma grande volta, a volta que mudou toda a minha vida. A minha namorada colocou-me uma questão importante e fundamental: "Vais continuar a estudar ou vais trabalhar?!". Na altura estava no segundo ano de Engenharia Electrotécnica, no ISEP,  na quarta ou quinta matrícula. E trabalhava em part-time no E.Leclerc. Na verdade tirei os cadeirões à primeira, análises matemática e físicas... já as práticas e a aberração de programação era um terror. Aproveitei o empurrão e desisti. A minha namorada era divorciada e tinha um filho de 5 anos, abriu-se a hipótese de emigração. Para mim nunca foi uma hipótese, só mesmo no limite. Para a minha namorada sim. Fui falar com a minha chefe da altura e foi-me oferecido o estágio para sub-chefe. Trabalhar das 6h às 14h na reposição, das 15h às 20h na formação, e depois trabalho mesmo como sub-chefe. Este belo horário deu em esgotamento ao fim de 8 meses. Férias forçadas e baixa médica. Em Setembro fui falar com a chefe para desistir e foi-me sugerido por ela ir uma entrevista na Mapfre de Gaia, para um projecto que estavam a lançar para gestores de seguros. O marido dela trabalhava lá. Fui seleccionado. No dia 16 de Outubro estava a apanhar o comboio para Lisboa, para uma formação de 3 semanas. E agora passaram quase 20 anos de actividade.


HOTM:
Se não morasses em Santa Maria da Feira, onde gostarias de viver?

NM:
Eu moro em S. João de Ver. Não gostaria de morar na Feira. Ou em Cortegaça, para estar mais perto do mar, ou em alguma aldeia da Serra da Freita, para caminhar na natureza.


HOTM:
Porque tanta gente continua a falar na "Vila da Feira" quando é cidade há mais de 40 anos [14/08/1985]?

NM:
Acho que são os mais velhos... mas mesmo a minha mãe, que acaba de fazer 70, já vive há mais anos com a Feira como Santa do que como Vila; é daquelas coisas difíceis de perceber.


HOTM:
És um aficionado da cultura, e felizmente está cidade tem vários eventos interessantes ao longo do ano (Viagem Medieval e Imaginarius, por exemplo). Queres destacar algum? E porquê?

NM:
Esqueceste-te do Perlim e da Festa das Fogaceiras. Eu gosto um pouco de todos. Irrita-me os Feirenses não gostarem, e muito mais alguns que nunca foram a nenhum. Ainda para mais o Imaginarius, que é de borla. Os de fora vêm cá de propósito, mais do que nós Feirenses. Sei que pode ser incómodo, mas traz dinheiro. Mas já sabemos que o tuga é mestre a reclamar de tudo.


HOTM:
Quanto às reclamações nunca me tinha apercebido... Vamos lá de novo: porque tanta gente chama "Feira Medieval" à Viagem Medieval? Será pela associação à "Vila da Feira"?

NM:
Porque começou como Feira Medieval. Malta de hábitos.


HOTM:
Sei que também gostas de literatura. O que estás a ler neste momento?

NM:
Estou a ler "Terra Sonâmbula", de Mia Couto, e "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury.


HOTM:
Há algum autor ou estilo literário que queiras destacar?

NM:
Mia Couto é neste momento o meu escritor favorito. A forma como escreve, a mistura de contos africanos com a vida actual é bastante apaixonante. Acho que vou ler tudo dele.

 


HOTM:
Além de consumidor de cultura, já estás a preparar a próxima geração, tendo uma filha a estudar artes. Foste tu a influência?

NM:
Nada disso. Foi a minha mulher. Sé percebo de arte na óptica do consumidor. Se me pedires para desenhar desenho uma pessoa ao estilo do boneco do enforcado.


HOTM:
Por falar em enforcados, a arte é um parente pobre da sociedade, é não só na nossa: vês com preocupação um futuro profissional difícil nesta área para ela? Ou tens sucessão nos seguros?

NM:
Não vou ter nenhuma sucessão. Ela vai conseguir singrar no que faz. É muito focada e dotada. Pode custar no início mas tenho a certeza de que irá viver só disso.


HOTM:
És utilizador da IA na tua vida? Achas que a vida vai mudar muito com a inteligência artificial?

NM:
Sou cada vez mais utilizador. Olho com 90% de optismo e 10% de receio. A internet também foi uma preocupação e agora não vivemos sem ela. A IA e a tecnologia simplifica, e muito, a nossa vida. Vai tirar emprego? Vai. Mas vai tirar emprego a quem não souber aprender a viver e conviver com ela. Os novos analfabetos não são os que não sabem ler, são os que não sabem se adaptar. Eu já era completamente digital antes do COVID, muita gente foi empurrada nessa altura, alguns ainda não aceitam e estão a "morrer". Eu tenho mais clientes do que nunca, e cada vez menos trabalho, esse é o caminho. Perguntei ao meu enteado o que ele achava, e ele que trabalha em ciber-segurança disse: "Abraça e aproveita. Não podes lutar contra isso.". Tenho grande esperança principalmente na saúde. O salto vai ser brutal!


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

NM:
De nada. Espero que tenha sido algo de jeito! 😂