Encontrei um verdadeiro filão! Estou extremamente contente! Não é de ouro, ou estaria extremamente rico! Mas para crónicas, para as escrever, para me rir com estes momentos de ouro (em sentido figurado, claro), encontrei uma fonte que teima - felizmente - em não secar: a administração de condomínios.
Era uma vez um condomínio. Estava a chegar a esta actividade, era jovem, tinha sonhos, gostava de contribuir com algo bom para a sociedade, mas não conhecia verdadeiramente este monstro que estava prestes a enfrentar! As pessoas, essa raça tão estranha, conseguem ser muito possessivas quando se trata da sua casa, como estavas prestes a descobrir! Conseguem transformar-se em verdadeiros monstros! Sim, vi pesadelos à minha frente, a surgirem do nada, de situações de nada, de somenos, lana caprina, o que lhe quiserem chamar, a tomar proporções quase bíblicas! Valha-me Deus! Nem Deus teria paciência para a profissão, nem o Diabo se deve ter lembrado de algo tão brilhantemente complexo e odioso! Desta vez, e haverá mais vezes, vamos focar-nos num tema que, parecendo pequeno, é de enorme importância, pelo menos para quem o levou à reunião daquela noite: a caixa do correio!
A tensão sentia-se no ar naqueles trinta minutos que distavam entre a primeira convocatória e a segunda - não havendo metade do quórum na primeira, espera-se que haja pelo menos um quarto (de quórum, entenda-se), na segunda, para se fazer a assembleia. O tema mais fracturante daquela noite foi uma caixa de correio! Eis o problema: a caixa de correio do condómino de então estava demasiado baixa. Mais ainda - descobri que a altura mínima para a colocação de uma caixa de correio é de cinquenta centímetros. Sim, porque o lesado, o condómino que reclamava desta situação, tinha já consultado um advogado para o efeito! E afirmava, com bastante segurança, que se a situação não ficasse resolvida naquela noite o caso seria mesmo resolvido pelo advogado! A altura de uma caixa de correio... Vê-se tanta fome, doenças e guerras no Mundo - situações confortáveis quando comparadas com meio metro de depósito de cartas, publicidade e afins, num século XXI onde a transição digital - entenda-se correio electrónico -, vai substituindo o papel. Mas se a Lei lhe assistia, o que dizer?!
Claro que a história já é boa só por si, mas ainda há mais a revelar: o condómino que não estava disposto a viver numa casa com uma caixa de correio abaixo do meio metro de altura legal estava emigrado, e disse: "Vim ontem de propósito de França para resolver esta situação!". Pelos vistos, faria uso daquela casa, e da respectiva caixa de correio, apenas uma a duas vezes por ano, apenas alguns dias. Primeiramente, e sem pensar muito no assunto, pareceu-me ridículo, mas um esforço de reflexão fez-me pensar em cenários nunca dantes alcançados: a caixa de correio era baixa, de facto, para se chegar ao fundo da mesma - e portanto ao fundo da questão - uma pessoa tinha de se ajoelhar. Ora, não é preciso ter fé para termos acesso ao lixo todo que por lá anda a maior parte do tempo - chamemos-lhe publicidade -, é preciso ter uma caixa de correio, alta, pois nem toda a gente se pode, ou se quer, sequer, ajoelhar. Caixa esta que deveria ficar muito atulhada destas resmas do consumismo sempre que a viessem consultar após meses de ausência. Há que perceber que qualquer questão tem sempre, e pelo menos, dois pontos de vista - este tinha a sua pertinência afinal! E colocar um daqueles autocolantes da "Publicidade aqui não"?! - sei lá, digo eu... Mas talvez tivesse de vir da França só para tratar disso, não parece razoável. Talvez gostasse da publicidade. Talvez fosse entusiasta da filatelia, e esperava completar a sua colecção de selos - esses pedaços de arte que já não abundam. Selos nas cartas sim, selos nas calças não - é compreensível.
A solução? Fácil, mudar a disposição das caixas de correio. Subi-las! Um trabalho simples, para quem dele percebe. Duzentos a trezentos euros para fazer uma pessoa feliz? Todos os problemas custassem tão pouco! Nomeadamente divididos por todos os condóminos, uma pechincha! Aprovado por unanimidade! Ajoelhou vai ter de rezar, não recolher a correspondência... O ar ficou limpo, a tensão desfeita, já não me lembro se o humano em causa ficou para o resto da reunião ou rumou de imediato para a terra d'Os Miseráveis, enfim, o seu objectivo estava atingido, e outros assuntos puderam ser debatidos. Administrei aquele condomínio por cerca de um ano mais, aguentei esta actividade pouco mais de três. Foi a minha segunda reunião como profissional mas foi aquela em que perdi os três, como se diz em bom Português, ainda que possa haver ali um pouco de sotaque estrangeiro. Uma caixa de correio baixa, nunca tinha pensado na importância de tal...
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