segunda-feira, 25 de junho de 2012

Eu permaneço em insanidade, coberto pela terra, à espera da decomposição que já se processava mas, enfim, não vos quero tirar o prazer de dizerem que começou agora, agora que me fizeram o funeral.

Um dia interessante,
desafiante,
como nenhum que o antecedeu!
Finalmente, o meu corpo cedeu!

Caí num buraco,
sentia-me fraco,
não conseguia sair e estagnei
como aqueles sobre os quais me enganei
(que terão direito a muitos poemas no futuro).

Larvas, de insecto,
mantenho-me quieto,
devorado por seres rastejantes
que sempre estiveram lá, duros, inquietantes.

Insectos, que voando,
vão-me incomodando, ou amando,
conforme a perspectiva, com a sua fúria belicosa,
tratam-me por dentro até a matéria ser toda ela viscosa,
própria dos momentos em que avança a decomposição,
própria de alguém que perdeu a sua própria razão.

O cheiro, nauseabundo,
se o sentissem por um só segundo
iriam inundar-se de lágrimas até à regurgitação
mas os meus amigos alados fazem disso a sua nutrição
e gostam muito dos meus conteúdos estomacais,
via oral, via fetal, via uretral, uma qualquer mesmo acessos fecais.

O calor, insuportável,
absurdo, desagradável
ao ponto de fermentar vivo o leite que me incorpora
e lentamente a água que me constitui se evapora
e chove no buraco onde vim parar, absolvido,
pois os meus juízes já se tinham decidido!

Há quem diga que fui devotado à violência
apenas por me terem consagrado à ausência
da nossa sociedade, igualmente carnívora, por uns momentos
em que, condoídos, se lembraram destes tormentos,
chamemos-lhe assim, poderiam ser os seus
e então ficaram com medo e rezaram a um deus,
um qualquer, que a fé é movida pelo interesse,
à semelhança da nossa sociedade que me aborrece
pela sua, digamos, ilusão, por outras palavras: fantasia!,
que é fazer da verdade crua e dura uma bela hipocrisia!

Morri!

Mas não acabou aqui a minha viagem!
Pois em mim germina a semente!
Vou para a cova mas não vou sozinho,
levo em mim lembranças de cada vizinho,
ovinhos recheados de uma geração de seres desprezados,
alguns dos quais injustamente devido à sua importância,
insectos que colocaram em mim os seus ovos recheados
e que se perpetuarão no tempo com a devida distância,
seja esta física ou temporal, seja isto o mesmo, quem quer saber?
Lambam-me as feridas que o pus parou e ninguém o quer beber,
que interessa agora que estou tão infectado? Sinto-me realizado
pois fui o escolhido e sou o padrinho de toda um buraco abafado
que tem uma lápide de mármore, bela e bem cinzelada,
e diz coisas bonitas que agora me interessam nada,
agora que, jazendo, tenho um fim maior do que o meu fim, um meio
de dar vida àqueles em que agora mais verdadeiramente creio:
os insectos! Despojados de sentimentos e algo satânicos,
eficazes, rastejantes, voadores, penetrantes, mecânicos,
como tudo deveria ser neste buraco, chamemos-lhe sociedade,
onde eu morri sem poder ter dito a verdade,
onde eu morri para dar corpo aos que me sucederão nos ares,
onde esvoaçarão para espalheram o caos até outros lugares,
lugares igualmente putrefactos.

Sem comentários:

Enviar um comentário